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segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Islândia enfrenta outro ‘annus horribilis’

A economia vai recuar 8,5% este ano e o desemprego atingir os 7,5%. Mas o próprio governo acredita que o pior ainda está por vir.
O negócio está em alta na Lagoa Azul. Num fim de tarde em finais de Setembro, nas nascentes sobre Grindavik, dezenas de banhistas gozam as quentes águas geotermais sob o lusco-fusco à medida que o dia dá lugar à noite.
Estrangeiros na sua maioria, estes banhistas inserem-se na vaga crescente de turistas que no último ano começaram a procurar a Islândia, sobretudo depois da queda da krona em 2008. O número de estrangeiros que visitam a Islândia aumentou desde 2002 - 12% só em Agosto. O fulgor da indústria turística, apesar de bem-vindo, é uma das poucas coisas positivas no meio das sombrias perspectivas de uma ilha, frequentemente fustigada por tempestades e num dos extremos do Círculo Polar Árctico.
Há um ano, Geir Haarde, o então primeiro-ministro, foi à televisão do país para declarar que a Islândia estava à beira da bancarrota, depois do crescimento "fictício" do seu sector bancário e do pesadelo que se abateu sobre o país. Nos dois dias que se seguiram, os principais credores - o Landsbanki, o Glitnir e o Kaupthing - foram nacionalizados e colocados à mercê de doadores estrangeiros.
A Islândia, até então um dos países mais ricos do mundo em de rendimento per capita, tornou-se no país mais seriamente afectado pelo colapso global do crédito: um verdadeiro estudo de laboratório sobre a forma como uma combinação explosiva de desregulação financeira, livres fluxos de capital internacional e as operações de um bando implacável de empresários dispostos a conquistar o mundo, quais "salteadores vikings", podem colocar um país de rastos. E, o seu percurso até à recuperação constitui outra verdadeira experiência digna de acompanhar, para tentar perceber como se pode reconstruir a economia.
O caso da Islândia é mais importante do que parece. Este país com 320 mil habitantes, um terço menos que o Luxemburgo, o país mais pequeno da UE, disputa com a Guiné Equatorial o título de 100ª maior economia do mundo. Mas na década que precedeu a crise, o sector bancário islandês cresceu dez vezes mais do que o PIB e tornou-se numa rampa de lançamento para a desenfreada expansão internacional de homens de negócios que aqui construíram grandes impérios financeiros e que, por isso, rapidamente passariam a ser chamados "oligarcas islandeses".
Mas quando o edifício ruiu, foram muitos os investidores europeus que sofreram danos colaterais. Está explicada assim a participação de credores estrangeiros na recuperação do país, empenhados que estão a tentar salvar os milhares de milhões que perderam. Os ministros dos negócios estrangeiros da Europa e da América do Norte estão também atentos, uma vez que esta crise está a afectar os fundamentais deste país pertencente à NATO, situado bem no meio da aliança transatlântica.
Johanna Sigurdardottir que sucedeu a Haarde no cargo de primeira-ministro em Maio, insiste que se está no caminho da recuperação. Separou-se o trigo do joio no sector bancário e injectou-se capital nos bancos sãos. Para compensar os credores estrangeiros foi oferecido o controlo de dois dos bancos credores. E a economia tem revelado uma capacidade de resistência maior do que o esperado, já que uma divisa mais fraca ajudou as exportações de peixe e de alumínio, para além de que, segundo Sigurdardottir, o desemprego está mais baixo do que se previa e a contracção não é tão grave como se esperava.
O ministro das Finanças do país espera uma contracção de 8,5% este ano, pouco acima do previsto na Irlanda e a taxa de desemprego, nos 7,5%, é inferior à dos EUA e de vários países desenvolvidos.
Mas estes números não contam a história toda. O colapso de um sector bancário inchado transformou a Islândia num dos países mais endividados do mundo, sendo que as dolorosas consequências deste facto ainda não se materializaram, com o antigo ministro das Finanças a prever que os próximos 12 meses serão um verdadeiro "annus horribilis".
A imposição de medidas de austeridade foi uma das condições para o pacote de salvação de 3,5 mil milhões de euros liderados pelo Fundo Monetário Internacional, medidas que se traduzirão num aumento dos impostos e em cortes na despesa para 2010.
A crise continua a fazer sentir-se na Islândia com inúmeras casas por vender e lojas fechadas. E o futuro do país parece tudo menos certo. Como se não bastassem as más notícias, o debate nas semanas passadas tem girado em torno do acordo controverso de reembolsar o Reino Unido e a Holanda na ordem dos quatro mil milhões de euros. Foram dezenas de milhar os cidadãos, instituições de beneficência e autarquias que colocaram dinheiro em contas ‘offshore' do Icesave do Landsbanki, atraídos pelas elevadas taxas de juro e expansão deste banco para o estrangeiro.
Dois dias depois de Haarde ter declarado bancarrota do país, o Reino Unido aplicou leis anti-terroristas para congelar os activos islandeses numa tentativa de salvar o dinheiro dos cidadãos. Mas estas medidas só precipitariam o colapso do sistema financeiro islandês e provocou uma disputa diplomática desgastante em Reykjavik.
A questão do Icesave é crucial, uma vez que o FMI e os países nórdicos que contribuíram se recusaram a libertar fundos adicionais enquanto a Islândia não revolver a sua disputa com o Reino Unido e com a Holanda.
O governo da Islândia assinou um acordo com os seus homólogos holandeses e britânicos, mas o parlamento recusou-se a ratificar esse mesmo acordo por discordar do termos. Os críticos afirmam que este plano de amortização é equivalente ao PIB do país, anula a recuperação da Islândia e penalizaria os contribuintes pelos actos impensados de um banco privado, aumentando ainda mais o fardo da dívida do país.
Esta questão está a afectar a autoridade de Sigurdardottir's numa altura em que é necessária uma liderança forte para implementar medidas pouco populares. "O governo acabaria por fazer figura de amador perante negociadores britânicos e holandeses extremamente astutos e voltaram com um acordo furado," afirma Hannibalsson. E perante esta questão os islandeses sentem-se furiosos face ao FMI e a outros países europeus por estarem implicitamente do lado dos britânicos e dos holandeses.
E não é só o FMI que está a ser alvo de críticas por impor medidas que podem afectar a competitividade do país, pois são cada vez mais os islandeses que estão a canalizar as suas críticas para Bruxelas.
Mas Sigurdardottir, defensora da adesão à UE, esperava que a crise encorajasse os islandeses a procurar uma maior estabilidade económica no seio do bloco dos 27 - e da zona euro. Em Julho ultrapassou divisões no governo e conseguiu que o parlamento votasse no sentido de iniciar negociações com Bruxelas: dias mais tarde era feita uma candidatura formal.
Mas, por agora os islandeses parecem "estar a olhar mais para dentro", sendo que uma clara maioria se opõe a uma adesão à UE, como revelam as sondagens.
Hannibalsson avisa quanto ao crescente estado de "paranóia" na política, lembrando os apelos por parte de alguns membros da oposição no sentido de ligações mais próximas com a Rússia e a China. Moscovo foi a primeira potência estrangeira a vir em auxílio de Reykjavik em Outubro com num empréstimo de quatro mil milhões de euros um dia depois da crise ter rebentado. A Islândia que serviu de base a meio do Atlântico para as forças da NATO durante a Guerra Fria, tem um papel cada vez mais estratégico na região do Ártico.
Quase todos os islandeses concordam que o país faz cultural e politicamente parte da Europa, por mais que estejam divididos quanto a uma adesão à UE. Mas, actualmente tudo parece estar em discussão, incluindo o seu papel no mundo.


Fonte: Economico

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